“Sua Imagem desperta a fé
de todo mundo, desde o mais importante dos homens ao vagabundo. Com seus braços
de mãe protegei nossas crianças, que nasceram pra dar ao Brasil paz e
esperança...”. Eram estes os primeiros versos, entoados por Lindomar Castilho,
que pelos alto-falantes ecoavam por todo o Colégio Normal Francisca Mendes,
quinze minutos antes do recreio. A música, Santa Maria do Brasil, era o nosso
hino de reflexão. Baixávamos as cabeças nas carteiras e ouvíamos em silêncio a
mensagem que a canção nos passava. Essa cena se repetia todos os dias às 9:15
da manhã, durante todo o mês de maio.
Nesta época, eu deveria
cursar minha segunda ou terceira série do ensino fundamental. Mas até hoje,
todo mês de maio eu lembro da época em que eu, ainda criança, tinha a
oportunidade de baixar a cabeça, fechar os olhos e refletir um pouco sobre a
importância de ter fé. E tenho certeza que qualquer outro aluno que tenha
estudado aqui na década de 90, lembra-se perfeitamente da canção que nós
conhecíamos como “As mansões e os Casebres”...
É, meu bom e velho Coléijj...
Você sempre foi assim. Seus costumes pedem licença como quem não quer nada e
ficam pra sempre em nossas lembranças. Tudo parece tão nítido em nossas mentes.
A formação da fila no pátio principal. A distância de um braço, que provocava
alguns tapões nos ombros dos colegas. A fila mais comportada saindo primeiro
para a classe. As crianças com a mão no peito entoando o hino nacional. As
crianças com a mão no coração cantando o hino do colégio. Lembranças que naquele
tempo eram só lembranças, e hoje são a mais pura prova de que tivemos uma
educação exemplar.
Lembro de cada detalhe bobo
dos 12 anos que estudei no “Velho Chica”. Dos sonhos açucarados de Darinda, das
garrafinhas mais açucaradas ainda de Baú... Da coruja que morava na capela. Da
borboleta gema que morava na grutinha de Nossa Senhora. Da mangueira de galho
baixo perto da cantina. Do salão Pax destruído e renascido. Do parquinho reformado,
todo em azul e vermelho, e a gente feliz da vida girando na roda, balançando
nas gangorras, muitos de nós já crescidos... mas fazer o quê? Aquilo não perdia
a graça nunca.
Lembro das quadrilhas e da
dor que foi dançar quando Chaguinha partiu. Lembro do Pastoril e de como a
gente se dedicava àquilo tudo, a ponto de chegar às lagrimas. Lembro da feira
de ciências, do dia do aluno, da partida de futebol entre os professores em
datas comemorativas. Lembro do dia das crianças, cada um levando seu brinquedo
preferido pra escola e eu com uma puta inveja do Jiban de Guga de Juscelino.
Lembro da revista Alô Mundo, que eu só lias as tirinhas, do velho orelhão da
portaria, que eu sempre tirava do gancho, e do São Francisco meio vesgo na
capela que me rendeu uma suspensão por não segurar o riso na hora da missa.
Lembro
das tocadas da banda, das missas do colégio, quando saíamos em procissão
carregando lanterninhas confeccionadas por nós mesmos com vela, cartolina e
aqueles papeizinhos de presente vermelho transparente que a gente nunca
aprendia o nome. Lembro dos gigantescos jograis de Mainha, e das animadas
serestas dos pais no pátio principal. Lembro de hastear a bandeira do Japão no mastro principal numa feira de ciências e quase ser expulso por isso. Lembro das modinhas do ioiô, figurinhas,
futebol de tampinha, frisbe, escravos de Jô, garrafão, tampinha cross... A
gente inventava de tudo. E o mais interessante é que naquela época eu já
profetizava. E hoje eu só confirmo: a gente ia morrer de saudade de tudo isso...
Os tempos mudaram, nós
crescemos, a vida segue. É sempre assim. Cedo ou tarde somos obrigados a sair
de casa. Eu já saí da minha. Não, não estou falando da casa onde a gente dorme,
mas da casa onde a gente aprende a ser gente. Esta casa cheia de carteiras e
passagens secretas. Essa gigantesca casa que me acolheu por tanto tempo, e me
ensinou a ser quem eu sou hoje. Um gigantesco e espaçoso lar, onde a gente pode
correr de braços abertos, girando e sentido a paz soprar no nosso rosto. Uma
casa onde não aprendemos só a somar, multiplicar ou conjugar verbos. Uma casa
onde não se ensina só o que é fotossíntese ou quem foram Santa Maria, Pinta e
Nina. Esta casa nos ensina sobre respeito, amor e lealdade. Nos ensina que o
verdadeiro conhecimento não está só nos livros e sim no que se aprende da
própria vida.
Esta casa nos ensina que aprender não é chegar em casa cansado,
com dor de cabeça e cheio de tarefas pra fazer. Ela mostra que aprender é
chegar em casa sujo, gripado, feliz e com muita história pra contar na hora do
almoço e pro resto da vida. Esta sim é a nossa casa. A mesma casa de sempre.
Esteticamente um tanto diferente, uma aparência mais modernosa, menos terra,
mais cimento... Uma cobertura na quadra de cá, uma mão de tinta na parede de lá,
um murinho levantado aqui, uma rampa descolada alí... Mas com certeza é a mesma
casa. Os tijolos lá do meu tempo continuam aqui. As paredes que me protegeram
na minha infância continuam erguidas, protegendo as crianças de hoje e prontas
pra proteger as de amanhã. Nossa casa não cai. Essa casa será sempre habitada.
Nossa casa é eterna.
Os tempos são outros, e os
costumes também. Hoje o mundo tem pressa e o relógio parece correr agoniado,
sem dar tempo de formar uma fila, de cantar um hino de louvor ou nos dar cinco
minutinhos de reflexão. A evolução do nosso mundo moderno não nos dá o
privilégio de manter antigos costumes. A rotina do Francisca Mendes de minha
infância já não se repete nos dias de hoje. Mas o Velho Chica mantém suas
tradições. Antigos costumes se vão, novos costumes chegam. E não há dúvidas de
que as crianças de hoje sentirão saudades e lembrarão com carinho dos momentos que
passarão aqui neste grande colégio de vida. O Francisca Mendes se recicla a
cada ano, mas mantém sua beleza, sua tradição e sua história.
Hoje é dia de relembrar a
melhor época de nossas vidas. Sei que hoje, no rosto de cada ex-aluno, o
semblante é o mesmo: Nostalgia. A saudade saudável de tudo que vale a pena
sentir falta. O prazer do reencontro. A alegria de reviver mentalmente, as
emoções que ficaram guardadas no passado. E como dizia Lindomar Castilho nos
nossos momentos de reflexão: “Protegei com seu manto, Santa Maria...”. Protegei
nossa casa. Protegei cada cantinho desse gigante e imponente lar de felicidade.
E que mantenha sempre viva a nossa saudade. Saudade da infância. Saudade da
liberdade. Saudade de ser puramente feliz, sem motivo algum. Saudade do nosso
eterno Colégio Normal Francisca Mendes. Saudade de verdade, da mais pura
felicidade, e dos tempos que não voltarão jamais...
Pois o velho Francisca Mendes ainda é o meu Colégio.
Ainda é um privilégio.
E pode ter certeza de que eu não te esquecerei.
Jamais.
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