Lendas da Santana - O Padre Sem Cabeça





Eles tinham o dom de fazer tudo parecer tão natural... Tudo parecer tão culpa nossa...

Tudo começava com uma conversa inocente no alpendre, um papo descontraído depois de uma refeição... Aí quando a gente menos esperava, um deles soltava uma frase no meio da conversa, na maior inocência:

"Ah, ele não tenha cuidado com o Padre sem Cabeça não, e dextá..."


Como não podia ser diferente, nós crianças não contínhamos a curiosidade...


"Padre sem cabeça???"


Pronto. Era a deixa que nossos tios precisavam para por o "plano" em ação.

A história do Parde sem cabeça nunca me saiu da memória, desde que me foi contada pela primeira vez. Eu devia ter meus 7 ou 8 anos.


Hoje dei uma pesquisada nessa história e, para meu eterno assombro, ela realmente aconteceu. O padre sem Cabeça não foi uma invenção dos meus tios.

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Tratava-se de Frei Antonio de Valdivieso, um padre espanhol que em 1549 mudou-se para uma pequena cidade chamada Leon Viejo. Nesta cidadela, o padre iniciou um trabalho de apoio que visava defender os índios, estes que eram severamente mal-tratados pelos comendadores locais.


O padre também passou a combater os ricos e poderosos da cidade, numa marcha contra a corrupção que trouxe nova esperança aos fiéis. Foi duramente perseguidopelo governador Rodrigo de Contreras, famoso por usar a crueldade para manter o poder. Mas Frei Antonio não se deixava intimidar. Era a chegada de novos tempos e nova expectativa de uma vida mais digna para Leon Viejo.


Não deu outra. Temendo perder suas regalias e ver cair o império da família por causa de um padre, os irmãos Pedro e Hernando, filhos de Rodrigo Contrera, logo trataram de acabar com a vida de Frei Antonio.


Rendido na escadaria da própria igreja. Não em uma mata fechada ou no meio da rua. Foi na escadaria da própria igreja, com as portas abertas para o altar, que Frei Antonio recebeu a machadada. Uma única machadada que lhe arrancou a cabeça, fazendo-a rolar escadaria abaixo e acabando por cair no pequeno, mas profundo lago que existia em frente ao templo.


Meses depois do cruel assassinato, moradores de toda região testemunharam as aparições de um vulto negro que caminhava nas igrejas, protegido pela lúgubre escuridão da noite. Até que uma dessas tetemunhas teve o desprazer de ver o tal vulto de perto numa noite de dezembro. E pode constatar que se tratava do Frei Antonio Valdevieso. Ou pra ser mais preciso, o seu corpo decapitado.



Imagem publicada em um jornal da época


Imagem de Frei Antonio Valdivieso em Oratórios Espanhóis



Desenho feito por uma criança que testemunhou uma suposta aparição
(ela nunca tinha ouvido falar da lenda)



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A Visita À Casa Grande


Fazia frio naquela noite de dezembro, quando a gente brincava de esconde-esconde no terreiro da Casa Grande. Era ano de bom inverno, mas naquela noite, a lua deu as caras para iluminar a brincadeira.


A mulecada toda estava no jogo. Não lembro bem quem estava "contando", mas 3 ou 4 de nós já tinham saído de seus esconderijos pra tocar no poste do meio do terreiro e gritar o clássico "1, 2, 3, salve eu!!!".


Foi no silêncio que acompanha a caça aos escondidos que Keké avistou algo estranho ao longe. Uma pequena luz vermelho-alaranjada se deslocava na escuridão do que a gente até hoje chama de "corredor mal-assombrado". E tem motivos pra ser chamado assim... Mas isso é tema para um outro post...


Paralisada diante da luz que se movia, Keké gritou: "Tem alguma coisa ali!!!"

A gente se juntou a ela. E realmente tinha alguma coisa alí. Uma luz imprecisa, que balançava e se movia e avançava na direção da cancela que dava acesso ao terreiro onde a gente se encontrava.


"É uma tocha!!", alguém gritou.


E agora dava pra perceber. A luz vermelho-alaranjada era na verdade fogo. Fogo que queimava na ponta de uma tocha. Tocha segurada sabe Deus por quem.


Aos poucos, a primalhada abandonava os seus esconderijos para se juntar as demais testemunhas. A brincadeira havia acabado. Todos se juntavam pra ver a tocha. Os cães ganiam. Havia um ser indesejado chegando na Santana.





A tocha chegou até a cancela. Até hoje eu não sei explicar o porquê, mas ninguém correu. Ninguém saiu do meio do terreiro. Talvez estivéssemos paralisados pelo medo, ou simplesmente o misto de curiosidade e nervosismo não nos deixava sair dalí.


Nós, de olhos arregalados, esperávamos para ver se o visitante seguirira em frente. E ele seguiu. Mas, para o nosso espanto, ele não abriu a cancela. Simplesmente a atravessou, passando por dentro da madeira, continuando sua caminhada semtomar conhecimento dos obstáculos.


"É o padre!!!", Alguém gritou (acho que foi Lu).


Foi o suficiente para causar pandemônio. A correria das crianças em busca da Casa Grande era de um desespero indescritível. Fillipe chegou nos braços de Tia Ritinha completamente branco e sem conseguir falar. Eu tremia como nunca havia tremido na vida. Lu segurava a mão de uma Carol pequenina, porém histérica. Alguns choravam. O medo é algo realmente desconfortável.


Até que Tia Socorro se manifestou e disse: "Ele quer reza. Ele só pode estar querendo reza. Alguém tem que ir lá perguntar o que ele quer."


Todos se entreolharam.


"Mas tem que ser a primeira pessoa que viu ele." completou Tia Socorro.


Todos olharam pra Keké. Bom... Ela não teria escolha.


E lá foi Keké, sozinha no terreiro escuro, com lágrimas nos olhos, caminhando aterrorizada em direção à tocha. No alpendre, a gente ficava na torcida, observando tudo no mais absoluto terror. Os corações inocentes à beira de um colapso.


Keké chegou o mais perto que sua coragem de criança podia permitir e perguntou o que o Padre queria. Como sua única resposta foi o silêncio, ela começou a rezar. Em voz alta. E à medida que ela rezava, a tocha se aproximava.

No alpendre, eu assistia aquela cena imóvel, quase que sem demonstrar nenhuma emoção, tamanhao era meu pavor. Até que, a poucos metros de distância de Keké, diante dos olhos inocentes daquela pequena menina que orava, a tocha simplesmente sumiu.


E tudo que restou foi silêncio.


E escuridão.

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Até hoje me sinto estranho ao contar essa história. Sei lá... A lembrança daquela noite até hoje me causa certo... desconforto. Não porque tenha me assustado de verdade. Muitas coisas na santana já me assustaram de verdade. Mas aquela noite... Foi diferente. Tinha algo diferente de tudo que costumava acontecer. Tinha um clima diferente. Um frio que não fazia. Tinha algo errado alí.


É tanto que até hoje, por mais que eu queira dizer que tenho certeza de que tudo foi mais uma peça pregada pelos nossos tios, eu não me atrevo a dizer.


Por mais que eu ache que dessa vez eles se superaram e fizeram uma superprodução, eu lembro daquela noite e algo jáme faz mexer nervosamente os dedos. Eu sei que parece idiotice. Mas... é o tipo da coisa... você tinha que estar lá pra ver... você tinha que sentir aquela noite...


Então, em vez de matutar sobre verdades ou mentiras, eu prefiro apenas relatar, da forma mais clara, o que eu testemunhei.


Fica mais fácil assim. Já que até hoje, eu não sei em quê acreditar... E depois de descobrir que a lenda é real, a coisa fica ainda tão mais confusa....


E essa dúvida vai ficar assim. Nossos cérebros dizem uma coisa. Nossos corações dizem outra.


Então fiquem apenas com o ponto de vista crú dos nossos olhos.


E tirem suas próprias conclusões.


Bjs relembraressascoisasasvezesincomodam

Comentários

  1. olhe, medo :S
    se eu fosse Keké traumatizava pro resto da vida..
    e nunca mais dormia só :]

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  2. Passei muito por isso também.. as superproduções eram fantasticas
    e eu até hoje também não me atrevo dizer que foram apenas peças kkkkkkk

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