Um amigo vem falar comigo pelo bate-papo do facebook. Eu respondo, iniciamos uma conversa e ele me pergunta o que eu estou fazendo.
Eu digo que estou assistindo Chaves e Chapolin.
Ele estranha, porque já é madrugada e no SBT está passando um seriado qualquer. Eu digo que não, não to vendo Chaves e Chapolin na TV, tô vendo pela internet.
Daí ele rí, pergunta se eu tô falando sério e diz que eu sou doido. Afirma que uma pessoa tem que ser muito besta pra se ocupar em assistir um programa que a gente já sabe de trás pra frente.
E assim é o pensamento de muita gente por aí. Eu conheço gente que até curte Chaves, mas tem vergonha de admitir, porque acredita não ter mais "idade" pra gostar daquilo. Eu conheço pessoas que dizem gostar de Chaves, mas que não tem mais paciência de assistir um episódio inteiro, porque já sabe "de cor e salteado".
E acreditem, eu conheço pessoas que riram de mim e disseram que eu sou besta porque chorei do começo ao fim enquanto assistia ao "America Celebra a Chespirito", programa especial que a Televisa, canal de TV mexicano, promoveu para homenagear o gênio Chespirito, criador, roteirista, diretor e interprete dos inesquecíveis Chaves e Chapolin. Ele, aos 83 anos, compareceu à festa de cadeira de rodas, com um balão de oxigênio para auxiliar a respiração, mas com um inconfundível sorriso no rosto.
Até mainha, quando me viu aos prantos, soluçando de emoção em frente a TV, tentou me consolar dizendo "menino, pra que isso tudo, deixe pra chorar por algo que valha a pena". Mas eu sei que logo ela percebeu que aquele senhor, sentado numa cadeira de rodas e demonstrando toda a inevitável fadiga que a idade lhe trouxe, valia sim cada lágrima derramada por mim.
Aquele senhor, velho, doente, debilitado, é mais que um ator. É mais que um roteirista, é mais que um diretor. Aquele senhor é, simplesmente, meu melhor amigo.
Eu nasci vendo Chaves. Cresci vendo Chaves, todo santo dia da minha vida. Aquele moleque sujo, que junta latas vazias e vende refresco de água de chuva na calçada, pode não ter a criação ou a educação que meus pais desejariam para um amigo meu, mas foi justamente esse moleque que me ensinou os preceitos e valores mais importantes da minha vida, como honestidade, humildade e generosidade.
Aquele moleque morto de fome que um dia tentou roubar um frango da vizinha pra matar quem lhe matava, foi o mesmo que roubou alguns sanduiches de um aniversário pra compartilhar com um vizinho que não tinha sido convidado, e me fez aprender que nós podemos ajudar os outros, mesmo quando o problema deles é também o nosso.
Esse moleque imundo que foi criado nas ruas, nunca chamou um palavrão sequer na minha frente. Já meus amigos ricos da escola, me ensinaram um monte.
Chaves me ensinou a rir dos meus proprios defeitos. Me ensinou a cantar, a dançar, e a valorizar meus brinquedos. Chaves me fez pensar no quanto eu sou sortudo de poder ir ver a praia sempre que quero. Me fez perceber o quanto sou feliz por ter um desjejum me esperando toda santa manhã. Chaves me fez entender que o natal dói em algumas pessoas, e que eu devo agradecer todos os dias pela família que eu tenho.
Esse menino feio e de roupa velha me confortou, ao mostrar que eu não era o único a ficar com cara de bobo ao ver a menina que eu tanto gosto na escola. Me mostrou que o amor é realmente complicado, mas que uma vez puro e sincero, é bonito e vale a pena ser sentido.
E não foi só ele. Todo o pessoal daquela vizinhança, da MINHA vizinhança, me ensinou a viver. Moldaram meu caráter, talharam meu senso de humor e fizeram de mim não só mais um mero espectador, mas um morador do cortiço. Graças a esse pessoal, até hoje eu vejo muita, mas muita graça, num tropeção, num apelido estranho, ou em alguém que segue falando sozinho quando todo mundo se cala.
Graças a essa vizinhança, um banho de mangueira, uma pincelada de tinta ou um chute no traseiro são as coisas mais engraçadas do mundo. E eu vou continuar rindo dessas coisas pro resto da minha vida.
Esse menino também é meu herói. É óbvio que ele apenas trocava o gorro fubento pelas anteninhas de vinil. E a gente fingia que não sabia, que não percebia, mas tava na cara que era ele...
E esse meu herói bota todo mundo no chinelo. Homem-Aranha? Batman? Kojak? Superman? Nenhum deles chega aos pés do meu eterno Vermelhinho!
O bom e velho polegar que sempre calculou friamente cada movimento, mesmo que sua matemática obviamente não fosse tão boa. Esse meu herói me ensinou que não é feio ter medo. Ter medo faz parte. Enfrentar esse medo é que diferencia os fracos dos fortes.
Meu herói me ensinou que um bom coração é melhor que qualquer superpoder, e que devemos ajudar aos nossos semelhantes, não importa que seja pra pegar um ladrão, proteger um cachorro, procurar um bilhete de loteria, fotografar uma bailarina, faxinar uma casa ou fazer exercício com um paciente morimbundo no leito de um hospital.
Nem preciso falar que com essa turma eu aprendi que as pessoas boas devem amar seus inimigos, que a vingança nunca é plena, que um sorriso franco é tudo, que perdoar é sempre a melhor atitute e que astúcia e nobreza são as melhores qualidades de um homem. "Oxalá todo mundo dissesse coisas assim às crianças", né?
Esse meu amigo está partindo aos poucos. Eu sei que ele ficará eternizado na TV, nos meus DVD's e no meu computador. Mas dói saber que o tempo irremediavelmente levará ele de nós. Não importa se eu nunca o ví pessoalmente. Ele é meu melhor amigo, independente de tudo. Eu sei tudo sobre ele, eu vivi a vida dele, partilhei seus segredos, sorri com ele, chorei com ele.
Meus laços de amizade com o menino lá do 8 são maiores do que os que tenho com muitos amigos reais da minha infância. Eu me sinto seguro com ele e ele foi o unico ser humano do mundo capaz de me arrancar um sorriso quando passei pelo momento mais cruel e escuro da minha vida. Eu não quero ter que dizer-lhe adeus, Chavinho. E morro de medo desse dia chegar.
É por isso que eu sempre assistí, sempre assisto, e vou assistir até morrer. Eu quero continuar ouvindo suas piadas, mesmo que sejam "só piadas repetidas", beleza, pra mim tá ótimo. Eu quero ignorar o mundo atual e voltar no tempo, viver no passado, naquela época em que a vizinhança era unida, as "porcarias de segunda mão" não tinham controle remoto, quando a saúde não era um problema e você era mais forte que um rato.
Eu quero meu amigo correndo, chutando o vento ao dizer zás, acocorado dentro de um barril, aplicando "éguas-voadoras" em malfeitores, saltando e rolando no chão enquanto luta com uma perigosa múmia.
Eu quero dar um pouco da minha saúde a ele. Quero dividir com ele minha energia, transferir via SBBHQK toda minha força, ajudá-lo a levantar-se, assim como ele me ajudou a levantar quando eu estava mal.
Enfim, eu faria tudo por esse amigo que nunca apertou minha mão, mas que me abraça todos os dias, esteja eu triste ou feliz. Um amigo que nunca sabe se terá pelo menos uma refeição ao acordar... Que passa fome, que passa frio...
Mas que sempre está me esperando no mesmo lugar. Basta eu precisar dele... E eu sei que o vou encontrar... disposto a me fazer sorrir.
Obrigado, Chavinho... Por tudo.
Bjs BurroAPãodeLó
Belo texto
ResponderExcluirValeu, cara...
ExcluirSeria melhor o Chavinho não ler isso, pq ele não anda podendo ter muitas emoções...
ResponderExcluirJá eu, chorei feito uma criança aqui, às 5:45 da madrugada.
Ele será o nosso Mestre pra sempre!
PS: Pra quem não sabe quem imita quem, dos vizinhos Fillipe, Kakito, Carol e eu... é muito simples: a gente nasceu e se criou vendo o melhor seriado do mundo, e como bons alunos da escolinha, usamos cada ensinamento no nosso dia a dia, atéeee um dia q nem tem prazo :)
Pra sempre, Raye... Se Deus quiser, pra sempre... :)
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