Só os Gatos Podem Consertar...


É incrivel como alguns fatos inesperados podem mudar o seu dia. É incrível como a compaixão humana é capaz de unir pessoas e mobilizar um monte de gente pra salvar a vida de um ser vivo. Não importa qual ele seja.

Uma canção antiga dizia que só os gatos podem consertar esse mundo cachorro... E as vezes isso é verdade.

Passei o dia no meu quarto, meio mal, como já não é de surpreender nesses ultimos tempos. Quando saí, umas 4 horas da tarde, vi painho saindo lá fora, e mainha na porta com uma expressão preocupada. Assim que ela me viu, correu logo pra me contar.


Um gato. Sim. Um gato. Um gatinho branco, que dois dias atrás, na tentativa de salvar a própria vida, subiu no galho mais alto de uma árvore na praça. Fugia de um cachorro, provavelmente. Alí subiu e não soube mais descer. E painho há dois dias que o ouvia miar quando estava correndo e não sabia de onde vinha. Até que hoje de manhã ele o encontrou. E tava fazendo de tudo pra tirar o gato de lá.

Não pensei duas vezes e corri pra lá. Painho olhava pra cima, as mãos na cintura, a expressão de aperreio maior do mundo no rosto. Olhei pro galho e tava lá o gatinho. Branco como a neve. E magro. E fraco. E rouco de tanto miar.
Dois dias sem comer. Dois dias sem beber água. Dois dias miando por socorro e ningém encontrava uma forma de tirá-lo de lá. Nenhuma escada alcançava o galho. Nenhuma corda alcançava o gato. Nada. Fillipe, meu primo, chegava do sítio e, como todo apaixonado por bicho, se uniu a nós na peleja. Agora éramos 4. Painho, mainha, Fillipe e eu. Como se todo problema fosse pouco, se aproximava um pé-dágua no nascente. Chuva. Aquilo talvez matasse a sede do gato, mas também mataria qualquer chances dele sobreviver...


Enquanto Fillipe subia na caminhonete pra tentar derrubar o gato com uma vara, fazendo-o cair em cima de um pano que painho e mainha esticavam embaixo, eu saí pela rua tentando parar qualquer carro, ônibus ou caminhão baú que fosse alto o suficiente pra alcançar o galho e retirar o gato com mais segurança.


Dois ônibus me ignoraram, uma pampa da Saelpa com duas lindas escadas passou direto, e um motorista de um caminhão baú disse que estava com muita pressa pra perder tempo com aquilo. Beleza. Foda-se. Se eu tivesse me contentado com esses carrinhos de bosta, não teria encontrado o melhor de todos:



UMA RETROESCAVADEIRA!




É? Grande bosta? Pois olhe o que ela faz:




Não deu outra. Quando ví a máquina roncando no asfalto na velocidade de um jabuti, me joguei alí na frente, obrigando o motorista a parar. falei com ele, expliquei a situação e ele, mesmo fazendo uma cara de "Um gato??", percebeu que aquilo era importante pra gente e, de todo bom coração, resolveu ajudar.

Eu não posso esquecer a cara de Fillipe, nem o sorriso de painho e mainha quando olharam de lado e viram a retroescavadeira se aproximando, eu em pé na porta, feito um pirata chegando em terra firme, com uma cara de "FUCK YEAH!" que pra ficar perfeita, só faltava ta tocando "Sou Foda" como trilha de fundo.


Começou a juntar gente. Tiraram os carros do meio. A retro encostou embaixo da árvore. Eu subí na caçamba da frente e o motorista (eu rezando pra ele ser beeeeem experiênte) começou a içar a parada. Uma galhada ou duas na cabeça e eu já tava chegando lá no gato. O bichano miava, rouco, cansado e completamente apavorado naquele momento.

Fillipe e Painho tiraram as camisas e as jogaram pra mim, pra eu enrolar as mãos e evitar um eventual machucado diante de um fight com o bichano. 

A caçamba içou ao máximo, mas eu como não sou essas grandezas todas, ainda fiquei um pouco abaixo do gato. Ele olhava pra mim com os olhos arregalados, pupilas cheias, um misto de "socorro" e "tá me seguindo?". Ele queria ajuda, mas peraí, tava com, medo, né? Tentou fugir pelos galhos. Gato burro.

O povo gritava lá embaixo. Que porra de tanta gente era aquela? "Vai, vai, agora!" , gritava a torcida lá embaixo e eu senti a pressão de um camisa 10. Tirei as "luvas" das mãos e peguei o gato pelo rabo. Ele "berrou" como o gato de Dona Chica da canção infantil. Se agarrou nos galhos, desesperado, sem entender que eu só queria ajudar. Resistiu ao máximo, e por fim cedeu. Não sem antes me dar uma patada de leve só pra eu lembrar quem é que manda.




Por fim desceu. Encolheu-se na caçamba, onde estavam as camisas de painho e Filippe e eu dei o sinal ninja pro motorista descer. Aplausos. Sério, houve aplausos. Alunos, transeuntes e velhinhas com roupa de ginástica aplaudiam o resgate heróico do Fifi. Fillipe apertou minha mão e dissemos juntos "boa ação", como sempre dizemos.


Colocado no chão, o gatinho correu, fraco, tropego, desorientado. Parecia mesmo meio hostil. Mas só parecia. Logo estava nos braços de Fillipe. Depois nos de mainha. E cinco minutos depois estava lá em casa, tomando uma tigela de leite, um pedação de pão e um litro de água gelada.


.



Esse resgate talvez tenha sido mais importante pra mim do que pra qualquer outra pessoa. Não que eu me importe mais com o gato do que os outros. Todo mundo alí demonstrou compaixão e amor pelos animais.

Mas a experiência dessa tarde me mostrou o quanto é importante ter alguém que nos ajude a descer da árvore quando não podemos descer sozinhos. O quanto não importa o quanto você tenha um bom-coração, um dia você vai precisar da bondade no coração dos outros. E aquele gato branco me fez ver que ainda existe motivos pra não se entregar.


Então não tenha medo de subir. Suba, escale, vá ao topo da árvore. talvez você sofra, talvez você tenha sede. Isso va acontecer, e vai ser difícil pra cassete. Mas lembre de miar. Pois o mundo é dos que amam...



E sempre vai aparecer alguém numa retroescavadeira pra te ajudar.


Obrigado minha família. Obrigado meus amigos.

Comentários

  1. Então não tenha medo de subir. Suba, escale, vá ao topo da árvore. talvez você sofra, talvez você tenha sede. Isso va acontecer, e vai ser difícil. mas lembre de miar. Pois o mundo é dos que amam... ²

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  2. Parabéns aos heróis.
    Emocionante mesmo.

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  3. Ouuu,lembrando que mainha me ligou e eu aqui em Jampa doidinha...Mas deus é justo e os animais não são obra do acaso,mas de Deus!
    E viva Fifi pelo seua to de miar durante todo tempo,não deixando cessar sua esperança que alguém o ajudasse.E claro,viva aqueles que de coração o resgataram,seja com a força do pensamento,de um grito,de uma retroescavadeira... Vivaaa !!! *

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  4. Valeu, Kakim!! Muito feliz por Fifi e por vc ser um simples camponês, de nobre coração, que resgata Franquicos com as 'catrepilhas' ^^

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