Minha Carta para Papai Noel...


Querido papai Noel...

Eu devia ter 5 ou 6 anos... Lembro de acordar, como sempre, pensando estar em Catolé. Mas o feixe de luz alaranjado que entrava pelo vitral acima da janela daquele pequeno quarto, logo me fez lembrar de onde eu realmente estava. Ali, diferente do meu quartinho no sertão, a janela olhava para o nascente, e a luz macia do sol era meu despertador. E aí minha rotina se repetia. 

Sentava na rede, ainda meio bobo de sono. Mas logo sorri ao ver encostado na parede, o enorme e corcunda cururu de pano, com suas pernas e braços longos e suas costas meio floridas, olhando pra mim, na mesma posição em que estava quando fui dormir. Talvez ele realmente não andasse à noite, como eu tanto imaginava.

Colocava as pernas pra fora da rede, que mesmo tão baixa era alta pra mim, e praticamente pulava lá de cima. Lembro, como se fosse hoje, que eu espertava assim que meus pés quentes tocavam aquele azulejo frio.  E aí, sem nem ao menos desligar o pequenino ventilador, eu simplesmente caminhava pra fora do quarto.

Descer aquele lance pequeno de escadas era tão fácil pra mim. Tinha vontade de pular de dois em dois. Mas eu me lembro que ela dizia que não. Ela dizia que era perigoso. Que eu poderia me machucar. O segundo degrau, de baixo pra cima, tinha um pequeno rachão, um pedacinho quebrado que podia me cortar. Então eu fazia igual a ela. Segurava no corrimão de madeira, e descia um por um. Quando ela descia, ela o fazia com o corpo meio de lado. Hoje sei que era por causa da idade e do cansaço. Na época, eu pensava que era só o jeitinho dela de descer. E então, eu descia da mesma forma.

Passava pela entrada da cozinha e já sentia o cheiro da bolacha peteca ao leite. Da tapioca. Mas eu só pensava naquele copão de leite ninho com toddy que só ela sabia fazer. E eu tomava tudo num só gole. Era o suficiente. Queria logo ir pro jardim.

Quando passava pela sala, sempre tinha vontade de abrir as gavetas daquela estante grande e preta, cuja flanela vermelha era visível entre o quadrinhado das portinholas. Ah, aquelas gavetas tinham de tudo. Pilhas, agulhas de tricô, dobradiças de porta, cola, chaveiros... Tanta coisa boa de brincar. Mas eu passava direto.

A sala ta Tv. A tão grande sala da Tv, com seu sofá de cimento e almofadas quadradas que tanto nos serviram em nossas brincadeiras. Ali, naquela Tv, foi onde eu vi o enterro de Luiz Gonzaga. Ali onde eu um dia veria o Brasil e Holanda que me marcou como o melhor jogo de copa da minha vida. Ali onde eu aprendi a comer suspiro assistindo os trapalhões. Ah, ela sofria tanto pra descer 6 degraus, mas caminhava até a padaria só pra me comprar um pacotinho de suspiros. 

Dali eu ia direto pro gabinete. Um quartinho apertado, cheio de livros, revistas e afins. Mas eu não ia em busca de leitura. Ia só passar o dedo na chama quente daquela vela de sete dias que sempre estava brilhando por ali. Ela nunca soube que eu fazia isso. Ou talvez sempre soubesse.

E aí era só ir pro jardim. Correr naquele azulejo frio, meio laranja, meio vermelho, era minha alegria. Inventar mundos de fantasia naquela areia branca que eu sempre chamei de areinha da praia. Ali eu estava em casa. Na minha primeira casa.

Mas nesse dia, Querido Papai Noel, o sono do despertar me fez deixar passar algo despercebido. Eu não sabia bem do que se tratava, mas sabia que eu esperava algo de diferente naquele dia. E ao olhar para o gigantesco e cheiroso jambeiro, vi distribuídas em seus galhos as enormes lâmpadas coloridas que iluminaram o natal na noite anterior. E então eu Lembrei. E corri.

Passei pela sala da Tv, voando por cima das almofadas. Atravessei a segunda sala sem nem mesmo olhar pras gavetas que tanto me tentavam minutos atrás. Ignorei a cozinha, subi os degraus de 2 em 2 até chegar no quarto, onde o ventilador ainda conversava sozinho.

Ali o enorme cururu de pano sorria pra mim, vendo o brilho nos meus olhos a encarar o pequeno embrulho embaixo da rede. Ali estava. Meu presente de Natal.

Abri o embrulho feito um louco, rasguei o papel vermelho em segundos. E vislumbrei meu brinquedo. Era um He-man, Papai Noel. Exatamente o que eu havia pedido a você. Você veio mesmo. Você havia mesmo lembrado de mim. 

Os anos passaram, Papai Noel, e eu ainda vi muitos natais naquela casa. A festa do menino Jesus foi crescendo, e eu também. Toda a família se reunia, fazia festa, brincadeira, até que meus velhos costumes de criança foram obrigados a ficar apenas na lembrança. O dia amanhecia, o sol brilhava no céu, e eu não mais corria pro quarto pra olhar embaixo da rede. Eu não ligava mais pra você Papai Noel. Mas você sempre ligou pra mim.

Hoje, estamos distante daquela casa da minha infância. Aquela casa já não é mais nossa. Talvez eu nem a reconheça mais se tiver a oportunidade de entrar lá uma outra vez. Talvez eu nem queira entrar, porque não quero ver o quanto ela mudou. Prefiro lembrar dela como era.

Quanto à nossa festa, Papai Noel, ela agora caminha. Passamos pela casa de Tia Sônia, onde eu temia que não fosse a mesma coisa. Mas pra minha eterna felicidade, foi. Sempre foi. Talvez porque o segredo do nosso Natal não seja o cenário. Talvez o grande segredo sejam os personagens.

Hoje, Querido Papai Noel, eu e minha família estamos à beira mar. Atravessamos o atlântico pra comemorar nosso Natal. E hoje eu vejo que realmente cresci. Pois se eu estivesse escrevendo essa cartinha há alguns anos, eu certamente pediria outro boneco como aquele He-man que você me deu uma vez. Mas hoje, papai Noel, eu aprendi a valorizar as coisas que valem mais que brinquedo. Hoje, a minha família reunida é tudo que eu quero de Natal. Nada mais.

Talvez eu agora perceba, Papai Noel, que não importa se eu não acredito que essa carta chegará em suas mãos. Você provavelmente vai ignorar minha descrença e continuar me presenteando com minha família, ano após ano.

Pois não importa onde a gente esteja. Não importa o clima, a distância ou o que tenhamos que enfrentar pra chegar aqui. De uma forma ou de outra, faça chuva ou faça sol, nós sempre estamos e sempre estaremos reunidos na noite de Natal.

E eu vou poder fechar meus olhos e voltar no tempo. Lá para aquela manhã fria em que eu sentei na areinha de praia pra brincar pela primeira vez com meu He-Man. Enquanto você, meu Papai Noel, sentada na grande parede circular, cortando verduras numa pequena bacia, com seu cabelo prateado e vestidinho florido cheirando a lavanda pop, simplesmente sorria, cuidando de mim.

Eu Te Amo, Papai Noel. Tenho saudades de você. Obrigado por tudo.


Kakito


Feliz Natal, Eskineiros... 

Bjs HoHoHo...

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