Meu Adeus a Seu Zeno...

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Dizem que o tempo cura tudo. Que o tempo é capaz de apagar até as mais profundas marcas que a vida nos faz com a lâmina fria do destino. Dizem que o tempo é o melhor remédio. Que nada resiste a ele. Que nada é eterno.

Eu tenho minhas dúvidas quanto a isso. Eu receio que o tempo não seja assim tão medicinal quanto as pessoas costumam defender em seus pensamentos e frases feitas. Se você observar com atenção, vai ver que o tempo não tem só poder de cura. Por muitas vezes, é o próprio tempo que tenta nos ferir.

O tempo o fez ficar cansado. Fez com que ele perdesse aquela energia tão comum na sua juventude, que o dava diariamente força e disposição pra domar as engrenagens nem um pouco hidráulicas de seu inseparável e inconfundível Jeep. Eu mesmo costumava brincar de passear por Catolé, e ele fazia as vezes de motorista da criançada com o maior prazer. As janelas de plástico embaçado não nos deixava admirar os pontos turísticos, mas e daí? De uma forma ou de outra, nossos passeios no Jeep de Seu Zeno eram, como a gente batizou na época, "Uma Aventura Emocionante".

O tempo faz a gente esquecer. Esquecer amores não correspondidos, esquecer frustrações do passado, dores, mágoas. Mas também nos faz esquecer de coisas importantes, que ninguém pede pra esquecer. Ele esqueceu de muita coisa. De muita história. Mas suas poesias, músicas e cordéis não deixarão que esses mesmas histórias que ele mal conseguia lembrar caiam jamais no esquecimento.

O tempo nos faz enxergar. Nos faz perceber as verdades antes não percebidas, nos faz vem quem são nossos verdadeiros amigos, nos faz entender a vida com mais clareza... Mas o tempo também tira nossa visão.  E o tempo o deixou no escuro. O mundo não passava de um borrão confuso de sombras e movimentos.  E mesmo assim, nada o impediu de bater o pé e continuar fazendo suas caminhadas até a padaria, e atravessar as ruas, e caminhar sozinho, mesmo o tempo tendo tornado aquele caminho tão conhecido num verdadeiro obstáculo.

O tempo nos dá força pra recuperar nosso folego. Nos dá condições de respirar fundo pra gritar cada vez mais alto. Mas o tempo também enfraquece nossa voz. E a voz dele aos poucos se transformou num sussurro. Um sussurro que nunca o impediu de cantar, de cantar e de cantar novamente, exercitando na alma, se não por fora, por dentro, a sua paixão pela música. 

O tempo ajuda. Mas primeiro nos testa. E ele enfrentou cada um desses testes, reclamando quando lhe doía, mas sorrindo quando ouvia uma voz familiar. O tempo tentou fazer com que esse velho guerreiro desistisse, mas esse homem honrou suas raízes e lutou até o fim, resistiu bravamente e mostrou a todo o mundo como se enfrenta o tempo. Como se abraça o tempo. Como se abraça a vida.

A ultima lembrança que tenho de Seu Zeno, foi numa festa comemorativa da Família Fixina. Ao som de uma viola, com toda a família, que eu também considero minha, reunida, eu estava sentado, assistindo com admiração Seu Zeno cantar Casinha Branca ao lado de sua amada e inseparável esposa Dona Maria Celi. Sua voz fraquejava, e revelava um cansaço aparente. Eu, em seu lugar, estaria em casa, descansando. Ele, por sua vez, estava alí. Estava sorrindo. E estava cantando.

Naquele momento, eu, do meu cantinho por entre as mesas, admirava aquela imagem que eu via, e guardava aquilo na minha cabeça para nunca mais esquecer. Seu Zeno e Dona Maria Celi juntos, felizes, cantando as mesmas musicas que cantavam  há mais de meio século, quando o tempo ainda era seu amigo. 




E eu garanto, caros amigos, que esse amor e essa cumplicidade é tudo que eu consigo imaginar pra definir a palavra Felicidade.

Um homem, um parceiro, um amigo, um pai, um avô, um poeta e um cantor. Tudo isso e mais um monte, concentrados num homem só. Um homem que viveu o tempo. Que desafiou o tempo. Que sofreu com o tempo. Mas que jamais foi vencido por ele.

Porque se você realmente acredita que o tempo cura tudo, pense novamente. Pois os dias podem até apagar essa marca e transformar essa dor tão profunda de hoje numa agradável saudade de quem tanto nos fez bem. 

Mas gerações passarão e nada nos fará esquecer a história de Seu Zeno. Um homem simples, que cantou pra vida e viveu pra nos ensinar, na sua partida, a entender aquela canção de Joanna que ele tanto gostava:




“Sem ele sou alguém pela metade, sou um grito de saudade sufocado sem razão.
Com ele posso ser um colibri, canarinho ou bem te vi vôo livre mundo a fora.
Com ele sou visita inesperada que não tem hora marcada e nem pressa de ir embora”

Fique com Deus, Seu Zeno. E durma tranquilo. A gente não tem pressa de esquecer. E sua história de vida, tempo nenhum vai apagar.


Jackson kakito
João Pessoa, 21/03/2012

Comentários

  1. Como me lembro dessa festa...Como me lembro desse casal sempre juntos...Como me lembro das ''aventuras emocionantes''... E hoje imploro ao tempo que não me leve essas lembranças,deixa-as aqui guardadinhas para sempre.
    Descanse seu Zeno,hoje o céu está em festa e um grande violeiro te espera ansioso de braços abertos...*

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  2. Ainda lembro das coisas que meu pai contava sobre seu Zeno(geralmente coisas bem sem noção, como raspar juá e mastigar pra tirar o cheiro de cigarro pra que vovó Eurides não sentisse kkkkk) e são coisas que eu costumo contar aos meus amigos e tudo o mais. As histórias vão se espalhando por vários tentáculos, e isso que faz uma pessoa ser inesquecível.

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