Que Cheiro é Esse?




   Eu tenho um ranking de cheiros. Sim, um ranking sério e cheio de regras que lista os Melhores Cheiros do Universo Universal. Na verdade, eu tenho rankings de melhores tudos. Mas hoje venho a público para divulgar apenas os ganhadores do de cheiros ótimos.


   Atualmente, segundo a última atualização divulgada por mim mesmo ontem enquanto tentava dormir, a parte de cima da tabela está assim: 



   Em terceiro lugar, está o cheiro de carro novo. Cheiro de carro novo é atemporal. Tenho certeza que seu Genival Figueiredo, quando adquiriu e adentrou pela primeira vez em seu fusquete bege zero quilômetro lá em meados de 1952, já concordava com a introdução desse cheiro na minha lista de Melhores Cheiros do Universo Universal, mesmo que ela nem existisse por motivos de eu não ter nascido ainda. Mas mesmo naquela época, carro novo já tinha um cheiro especial. É como o cheiro de carro lavado, mas como se tivesse sido lavado com água nova, ou com água do sorriso de crianças felizes da nova Inglaterra. É o cheiro do volante pouco surrado, da borracha virgem dos tapetes e dos bancos nunca expostos a puns em toda sua existência. Senhoras e senhores, nossa medalha de bronze, o Cheiro de Carro Novo. 

   Em segundo lugar, temos o misterioso Cheiro Mágico de Entrada de Shopping. Achou estranho? Pois da próxima vez que você for a um, preste atenção nesse detalhe. Ao sair da rua quente e abafada, com cheiro de fumaça e toda sorte de poluição urbana e colocar o primeiro pé na porta de entrada de um shopping, você já pode sentir de imediato um cheiro diferente inebriando seu espírito. Cheiro de tênis novo, ou de limpa-vidros, não sei. Mas é um cheiro bom. Um cheiro frio, limpo, cheiro de loja de perfume misturado com o cheiro do meu boneco do He-man quando eu tirei da caixa pela primeira vez (o cheiro do boneco do He-man tirado da caixa pela primeira vez ocupa o 4º lugar no ranking). Palmas para o cheiro de shopping. Prata nela.

   Em primeiríssimo lugar no ranking oficial dos Melhores Cheiros do Universo Universal, que rufem os tambores, está o campeão absoluto e imbatível para mim há 3 longas décadas: O Maravilhoso e Sagrado Cheiro de Locadora de VHS.

(sons de trombetas divinas ao fundo)







   VHS, para quem não viveu a época de ouro dos fins de semana chuvosos, é a sigla para Video Home System, ou Sistema Doméstico de Vídeo, no bom e velho português. Trocando em miúdos, VHS são aquelas fitas pretas que sua mãe tem guardado em algum armário antigo e empoeirado na dispensa e você nunca soube pra que serviam. Pois é. Serviam para rodar filmes num aparelho chamado videocassete. E para serem as coisas mais cheirosas do universo.



   A fita magnética do VHS era composta por uma base coberta por uma superfície de gravação, um polímero no qual era disperso o pigmento magnético, mais precisamente óxido de ferro ou cromo. Santa Mãe de Deus, como aquilo cheirava bem. De todos os 400 zilhões de filmes que eu já assisti em VHS, não houve um em que eu não apertasse o botãozinho lateral para liberar a tampinha superior da fita e expor a tira magnética só pra dar uma cheirada profunda antes de colocar a fita no videocassete.



Sim, caros amigos. Eu era um cheirador de VHS.



   Agora imagine 300, 700, 1.000 fitas VHS, todas lindamente cheirosas, reunidas e estocadas num único ambiente fechado. Imagine o cheiro magnético desses milhares de patchoulis modernos reunidos num só local, impregnando o ar, adentrando pelas suas narinas como um prenúncio de que bons filmes estão lhe aguardando na prateleira dos lançamentos, fazendo você flutuar como Pica-Pau flutua com o cheiro de frango assado.



   Além desse cheiro ungido de Jesus Magnético, ver filmes em VHS tinham um charme especial. Ficar na fila de espera para locar um lançamento era um calvário prazeroso. Deitar para dormir e de repente saltar da cama no meio da noite soltando um “pqp, esqueci de devolver as fitas na locadora!” era um clássico das segundas-feiras. Juntar uma galera e ir fazer uma feira de filmes na locadora era um programa tão divertido quanto assisti-los. Lembrando que tinha que assistir primeiro os lançamentos, porque já tinham que ser devolvidos no dia seguinte. Os “filmes catálogos” podiam ser devolvidos depois de amanhã, ou depois de depois amanhã, ou depois de depois de depois de depois... 



   Hoje as poucas locadoras que ainda resistem à invasão dos torrents e da Netflix ainda exibem prateleiras cheias de opções de bons filmes em DVD. Infelizmente, DVDs têm cheiro de nada. No máximo, de plástico. Mas mais puxado para nada. Hoje, não existem listas de espera, e o máximo que você precisa esperar é o tempo do download terminar. E não precisa assistir hoje, já que você não precisa fazer a devolução do filme baixado amanhã... Você não gasta mais dinheiro com locação, não precisa sair de casa para pegar seu filme, não corre o risco de ficar sem ver o filme que queria porque alguém chegou primeiro. Hoje tudo está muito melhor, muito mais fácil. Mas talvez seja a saudade dessas “dificuldades” de antigamente que tornem o cheiro de VHS tão bom, tão nostálgico...



   As locadoras de filmes em VHS estão oficialmente extintas. Há muito tempo. Mas para mim, e para muitos que, assim como eu, cresceram dando pequenas viagens à locadora para voltar com um saco de fitas para assistir, o cheiro magnético das fitas de VHS e sobretudo o cheiro dos seus santuários, as inúmeras locadoras “Qualquer Coisa Home Video”, eram, ainda são e para sempre serão os primeiríssimos colocados no ranking de Melhores Cheiros do Universo Universal.



   Se duvida, peça a sua mãe para cheirar uma das fitas que ela guarda no armário da dispensa. Mas bata a poeira antes. Passe um paninho molhado ao redor, só no plástico, não na fita magnética. Desobstrua as vias nasais com soro fisiológico, procure um lugar calmo e agradável para sentar e vá fundo. Seja feliz. E nem precisa me agradecer depois pela sua inesquecível, fantástica e extremamente prazerosa experiência de cheirar uma velha fita VHS.



   E eu deixo você incluir esse cheiro no seu próprio ranking. Um pouco enciumado, mas deixo. Afinal de contas, essa era a filosofia maior do bom e velho VHS. Hoje ele era só meu. Amanha era todo seu. 



(Favor rebobinar esse texto para o próximo leitor)

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